Euvaldo Macedo Filho
Poeta, fotógrafo, cineasta, compositor e agitador cultural, nascido em 1952 e falecido em 1982, em Juazeiro da Bahia, após curta temporada de estudos em Salvador, ele passou a se dedicar quase que integralmente à poesia e à fotografia, a partir da metade dos anos 1970, quando retornou a sua cidade natal. Em Juazeiro, participou dos grupos artísticos locais, como o Grupo Êxodus e o Círculo de Convivência Cultural, os quais impulsionavam a produção artística em diversas linguagens, como a poesia, o teatro e a música.
Em sua trajetória artística, Euvaldo publicou sua poesia em coletâneas locais e conseguiu inserir seu trabalho fotográfico em importantes veículos de divulgação e legitimação, expondo em espaços institucionais, em Juazeiro, Salvador e São Paulo, e publicação em revistas e catálogos nacionais e internacionais, entre eles: Presença da Criança nas Américas, da UNICEF, em 1980.
Fez parte do Grupo de Fotógrafos da Bahia, também conhecido como FotoBahia, participando em dois anos consecutivos, 1979 e 1980, com fotos em exposições e catálogo desse movimento decisivo de profissionalização e de afirmação da fotografia baiana.
Conheci Euvaldo no clima dos “anos 70”...
Conheci Euvaldo no clima dos “anos 70”. Tínhamos apenas vinte e poucos anos e muitos sonhos quando nos encontramos em Juazeiro da Bahia, nossa cidade natal, para onde estávamos retornando, após sair da universidade em Salvador, onde vivemos parte do ambiente dado naquele clima da época.
Deparamos um com o outro ao buscarmos recriar nosso ponto de partida, um local de onde alçamos nossos primeiros vôos, um novo lugar para nós. Nas rodadas entre os amigos ele era chamado de “cabeça de poeta”. Era então uma pessoa considerada especialmente antenada - sujeito capaz de perceber coisas incomuns nos aspectos mais simples do cotidiano mais comum, alguém que via sempre muito além da mesmice aparente, detalhes, sutilezas, minúcias. Ele encantava muita gente. A mim também.
Dava pra ver como gostava de conversar, gostava de escutar e também gostava de falar, embora só com algumas pessoas. Quando encontrava estas, ele falava muito e facilmente e com intenso brilho nos olhos grandes, sempre abertos. Como se soubesse de tudo, um pouco do bem, um tanto do mal, o que ele dizia era com tanta naturalidade, que parecia nem ser tão jovem como era ainda. Parecia já conhecer a vida em seus modos diversos e entender suas variadas razões. E tinha um jeito muito próprio de dizer o que sentia.
Depois, convivendo com ele, entendi seus poderes: Euvaldo era todo aberto à vida, e podia captar suas pulsações. Vivia a espiar as pessoas: gestos, posturas e condutas. Rastreando sentimentos, ele adentrava nos “mistérios” da natureza humana, alcançando profundezas às vezes escondidas. E havia um rio que passava em sua vida quase todo dia. Durante certo período ele se dedicou a olhar atentamente o vai-e-vem das águas. Nesse cotidiano acabou se tornando um pescador do tempo, ficando de plantão nos movimentos da vida. Fazia meditações diante do caudaloso São Francisco. Surgiram poemas, nutriram-se amores e paixões e nasceram algumas canções.
Ao mesmo tempo, ele se botou a manejar a máquina fotográfica que recebera de seu pai, fazendo continuadamente aquilo com uma disciplina de monge, e fazer fotografia tornou-se o seu fazer maior na vida. Assim, Euvaldo apreendeu a infância, a velhice e a navegação no rio, detectou tipos de pessoas, seus lugares e as diferenças, situações, os contextos, as marcas e demarcações, sinalizou transformações em contingências, mesmo ainda irrealizadas. E registrou tudo em tantas e tantas fotografias...
Embora as imagens produzidas sejam de alguns instantes e tragam em si a fugacidade do tempo na fração do segundo em que passou o acontecimento, ainda assim suas fotografias nos possibilitam mais do que saber sobre parte do cotidiano que ele focalizou, conhecer sua “pegada” e a poética de sua abordagem, revelando também a pessoa que as produziu pela estética que expressa.
A infância, a velhice e a navegação nas imagens apresentadas nesta exposição podem também nos levar a encontrar, mesmo agora, passados mais de 30 anos do momento em que foram feitas, alguns elementos indispensáveis para pensar atualmente a realidade local ou regional e sua dinâmica social ao longo desses anos, possivelmente através de aspectos representados nas fotografias de certos momentos da vida social aí registrados. E, não apenas no que tange às fases naturais da vida e aos significados que lhes são dados como elementos que compõem modos de existência socialmente produzidos naquele e no contexto atual. Mas também sobre o que se comunica com o que continua na virada de um tempo para outro, a respeito de tantos outros aspectos além dos que estão em foco na temática desta exposição.
Os “cliques” infindáveis de Euvaldo e a poesia que ele encontrou no seu cotidiano resultaram na sabedoria destas fotografias que nos transmitem, sobretudo, valores que circulam (e significam as relações) entre pessoas. Expressos nas caras e bocas, em dentes e desdentados, em cabeças com cabelos penteados e assanhados ou descabeladas, nas brincadeiras e nos trabalhos e nas ocupações praticadas por cada sujeito em diferentes fases do tempo vital, sorrisos, choros, sustos, satisfações, prazeres e desgostos, jeitos e trejeitos, dizem também pelas vestes, papéis e cenas em representações dos modos de ser humanos, material e imaterialmente produzidos. Em meio à tenacidade de suas produções materiais, vê-se a fotografia e sua importância como técnica e arte.
Que, ao serem vistas as imagens legadas por Euvaldo, possamos compartilhar essa significação que aqui atribuímos a suas fotografias.
Odomaria e Euvaldo caminhando por Juazeiro na decada de 70
Odomaria Rosa Bandeira Macedo
07 de janeiro de 2014.